terça-feira, 25 de março de 2008

Testemunho de uma "cigana"(postado pela segunda vez)

Desde que me conheço por gente que levo vida de cigana, mas nunca o fui. Lembro-me de nós como uns apaixonados pelo mundo, mas mais do que isso, apaixonados uns pelos outros.
Sempre que chegávamos a 23 de Agosto, arrumávamos tudo na carrinha e lá íamos nós, com um mapa na mão e um destino já traçado. Acho que nos habituamos aquela vida itinerante. Quando chegávamos a um lugar já estávamos a pensar no próximo. Era viciante!
No dia em que os deixei para trás, o meu irmão Frederick era ainda um rapazinho e eu tinha acabado de atingir a maioridade. Apaixonei-me por um norueguês de barba loira. A Anika, a minha irmã, nunca vai abandonar a minha mãe. Não a acho capaz de se entregar a mais nada ou ninguém para além daquele vicio.
Sempre achei a minha mãe muito bonita. Nas minhas primeiras crises existenciais lamentei não ter saído a ela. Nasci ruiva e com o corpo coberto de sardas, enquanto que ela (dizem) é parecida à Agnetha Fältskag.
Tinha 13 anos quando a minha mãe me explicou, de forma adulta, o que era o amor e quando aprendi que “jag älskar dig” em francês é “je t’aime”. Na altura podia jurar que aquele meu primeiro “je t’aime” ia ser para sempre, mas agora tenho um lar e não sei se algum dia vou querer voltar a ser “cigana”. Sei que se não achasse que valia a pena deixá-los não o tinha feito, mas agora passo meses sem saber se a Anika e a minha mãe estão bem e por onde anda o Frederick… São longos períodos à espera de noticias deles e essa é a parte mais difícil.
O meu cabelo já não é tão ruivo, mas as sardas nunca desapareceram e nunca chegamos a ir a Marrocos. A verdade é que eu não guardo más recordações da vida de andarilho e custa-me pensar que um dia posso acordar arrependida e a desejar o “23 de Agosto”.
Eu vou ser sempre uma Nilson, só que a Nilson que foi num cruzeiro pelos Fiordes e não voltou mais.
Às vezes pergunto-me se foi um erro, se vou deixar de ser feliz só porque parei de viajar. A Anika costumava dizer que “ser feliz é conhecer o mundo”, mas eu quero acreditar que posso ser feliz aqui.
Take You On A Cruise - Interpol

"(...) We sail today, tears drown in in the wake of delight
There's nothing like this built today
You'll never see a finer ship in your life
Along the way the seas will crowd us with lovers at night
There's nothing like this built today
You'll never see a finer ship or receive a better tip in your life
(...) Oh my love we're sailing to Norway"

quarta-feira, 5 de março de 2008

Aqui Há Magnólias (parte 2)
Discretamente, abriu a porta da garagem. A magnólia já lá estava, em cima do carro, o que queria dizer que ele já tinha chegado. Olhou para trás, sorridente, e viu-o, encostado à porta. Ele tirou o cigarro da orelha com a calma do costume (mas por dentro estava em chamas), acendeu-o, levou o à boca uma vez, aproximou-se dela e abraçou-a, com a mesma força e o mesmo calor de sempre. Ela tirou-lhe o cachecol, agarrou-se ao pescoço dele, ofereceu-lhe os seus adocicados lábios (andava viciada em chupa-chupas em forma de coração) para que fossem beijados e assim deram inicio à interminável sessão de amor.
Juntos, o amor proliferava-se. Os beijos dele proliferavam-se pelas sardas do corpo dela, que se chamava R mas tinha ar de H, as mãos dela puxavam os cabelos dele e não havia como fazer este câmbio de afectos durar pouco.... Na verdade o que mais queriam é que durasse muito, muito tempo. O máximo possível! Mas quando o fim chegava e o corpo pedia descanso, também a magnólia, assim como os lábios do B, visitava a sardenta R.
Fazia muito vento e frio na rua, mas a única coisa que a fazia tremer era ele.

terça-feira, 4 de março de 2008

Aqui Há Magnólias (parte 1)

R,

Desculpa não ter dito nada hoje. Sei que quando faz mais vento é quando gostas que te abrace mais, mas não consegui mesmo sair para ir ter contigo. Compenso-te amanhã. O vento vai estar forte durante muitos dias. Ouvi na rádio.
Acordei a pensar naquela vez ao pé de tua casa. Estou a compor para ti. Tenho saudades tuas.

B.



B,

Gosto quando decides ser delicado. Promete que vens. Tenho saudades do fumo do teu cigarro a tocar nos meus lábios, das tuas mãos. Aparece por volta das 22h e traz uma magnólia. O carro vai estar parado na garagem. Amo-te.
P.S.: Acordei a pensar no mesmo. Às vezes acho que saíste de um sonho...
R.