domingo, 24 de fevereiro de 2008

E geladas, deitadas em cobertores finos como folhas de papel, a única coisa que as aquecia era o amor.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Amiga Parência

Hoje está um dia mesmo bonito. Céu limpo, muito Sol e, no entanto, pouco calor. Eu até nem sou pessoa de adorar dias assim, mas que eles fazem bem às pessoas lá isso fazem. Parece que as deixam mais alegres e desinibidas. Eu acho.
Moro ao lado de uma escola e, mesmo em frente ao prédio onde vivo, há um outro, mais velho e com imensas varandas, que variam entre dois tamanhos.
Estou no 5º andar, à janela do quarto do meu irmão. No 2º andar do prédio em frente, numa das varandas grandes, está um grupo de 5 rapazes universitários muito… extrovertidos. Um deles está em tronco nu, a falar com uns miúdos que se penduraram nas redes da escola porque ouviram a melodia que saía de casa deles, dos mais velhos. É a mesma melodia que a Dora tem na caixinha de música. O tal rapaz em tronco nu tem problemas de costas. Sei porque traz um daqueles “coletes” para ajudar a mantê-las direitas. Os miúdos estão a gozar com ele e ele diz qualquer coisa como: “Vou fazer queixinhas ao meu pai! Vais ver!”. Um dos miudinhos responde-lhe com sinais.
Eles, os universitários ressacados, têm um megafone e põem se a cantar e a mandar piropos às senhoras que passam.
Os mais pequenos desistiram. Desceram das redes e foram jogar futebol com os outros colegas. Quem não desiste de chamar à atenção é a rapariga de camisola cor-de-laranja, exposta ao sol, duas varandas ao lado da deles. Está à meia hora a fingir que apanha a roupa do estendal, mas quando os rapazes aparecem à varanda, olha logo. Está a ver se engata algum.
Engraçado. Estão a aparecer mais pessoas às varandas. Há uma completamente tapada por plantas, é impossível ver a casa por dentro.
Agora pôs se à varanda uma miúda de azul, a pintar as unhas virada para o (quase) pôr-do-sol.
Por cima da janela dos “extrovertidos” há um quarto cheio de bonecas de porcelana viradas para a rua. Acho-as assustadoras, mas também, ultimamente tudo me assusta.
Cheira-me tanto a torradas. Torradas lembram-me uma conversa que tive há alguns dias atrás.
Vejo coisas mesmo engraçadas aqui (de vez em quando) e nunca ninguém me apanha a espreitar, nem quando o faço com o “táxi”.

Parência.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Choveu muito nos últimos dias. A janela do quarto está suja. Mas vou aproveitar que hoje o céu está limpo para dar uma volta no meu táxi espacial. O meu táxi não é de cera, não tenho medo de cair... Mesmo assim, prefiro passear à noite.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Olívia
O dia mais quente do ano. É assim que se lembram do 5 de Agosto de 1986. Mas eu tenho algo mais a dizer acerca do dia que antecedeu ao fim daquela que seria a mulher mais bonita que alguma vez vi, Olívia.
Já era costume sair da cidade para ir ter com a família à costa e passar uns dias descansado, mas era uma viagem cansativa, o caminho era sempre muito parecido, parecia que não saíamos do lugar. Na verdade, a única coisa de que gostava, era o ter de passar pelos campos girassóis. Não há flor mais bonita. Diminuía a velocidade só para poder apreciá-los melhor, mas naquele dia houve alguma coisa que chamou ainda mais a minha atenção e que fez com que aquela viagem se distinguisse de todas as outras que já havia feito.
Vi-a sentada no alcatrão, na beira da estrada. Mesmo não tendo a certeza se devia, parei o carro e saí para ir ao seu encontro. Estava sentada de uma maneira muito delicada. Tinha as mãos entrelaçadas, pousadas no seu colo e as costas muito direitas. Lembro-me que estava um vento muito quente, um ar abafado e os seus cabelos escuros parecia que voavam. Eram compridos. Aproximei-me mais dela. Não tirava os olhos do outro lado da estrada, dos girassóis, mas sabia que estava lá e disse “estou fria”. Achei aquilo tudo muito estranho. Não lhe quis tocar. Ela quase não pestanejava e com o Sol nas suas costas, pude ver nitidamente os seus olhos, lindos.
Perguntei-lhe se estava bem, mas ela limitou-se a esticar os braços e dizer “leva-me”. Continuava sem tirar os olhos do outro lado da estrada. Só o fez quando a puxei para que se levantasse.
Trazia um vestido colorido e muito curto e por isso, quando se levantou, vi que tinha as pernas muito vermelhas do calor do alcatrão. Como estava descalça, apressei-me a pô-la dentro do carro e quando eu entrei fiz-lhe uma pergunta: “Queres mesmo vir comigo? Não tens medo?” Ela respondeu, com uma voz cansada, que queria chorar e não conseguia.
O resto da viagem foi passado em silêncio e só quando chegamos à estalagem é que ela falou. Virou-se para mim e pela primeira vez olhou-me nos olhos. “Preciso que me aqueças. O meu nome é Olívia.” Eu desviei o meu olhar e saí para lhe abrir a porta. Quase desmaiava. Tive de levá-la ao colo. Quando passaram por mim os meus pais, não deixei que me fizessem perguntas, tratei de pô-la logo num quarto. Deitei-a na cama. Ela disse que queria descansar.
Deixei-a sozinha e antes que começassem o interrogatório fui contar o que tinha acontecido e quem ela era, mesmo não sabendo nada. Tudo aquilo me intrigava. O que fazia ali sozinha? Tão nova e tão bonita… A voz dela a dizer “preciso que me aqueças” ainda ecoava na minha cabeça.
Quando chegou a hora de jantar, fui chamá-la. Bati à porta, como não respondeu, entrei. Ainda estava deitada. Pousei-lhe uns chinelos no chão, acordei-a e disse-lhe para vir jantar, que precisava de comer alguma coisa. Durante o jantar ninguém falou, mas todos os olhos estavam postos nela. Quase não levava comida à boca. Nessa noite, não tentei falar mais com ela.
Na manhã seguinte acordei e fui ao quarto onde ela estava, com a intenção de acordá-la. Achei que um passeio lhe fosse fazer bem. A estalagem ficava numa falésia. Era muito agradável. Bati à porta e chamei por ela, mas quando me virei vi, pela janela, que ela estava ao pé da capelinha. Saí para ir ter com ela. Eu sabia que se sentia sozinha. Quando cheguei lá fora vi que estava em cima de uma rocha, virada para o mar. Fui andando até ela, mas não cheguei a tempo, não pensei… Saltou.
Já não havia nada que eu pudesse fazer. Tenho quase a certeza que, enquanto caía, se apercebeu de que todos os seus problemas tinham solução. Desperdiçou a única hipótese que tinha de viver. Pobre Olívia.





You are crucified by your own limitations.

Sylvia Plath